Vieram para ficar e não há jovem que não os conheça. Os YouTubers geram milhões de visualizações, muitos deles vivem 100% da sua atividade, influenciam outros tantos jovens e respondem às suas aspirações, gostos e vontades. Popularmente conhecidos como «influenciadores digitais», já ganharam a atenção de várias marcas a atuar no setor do retalho que desenham campanhas à medida dos millennials. Será este um novo paradigma do retalho? A linguagem passa a ser partilhada por todos e os milhões de subscritores de canais do YouTube e de visualizações de conteúdos, os milhares de seguidores nas redes sociais, estão a traçar um novo caminho que parece não já não ter retorno.
Para Miguel Sabino, CEO da Thumb Media, eles são mais do que YouTubers ou influenciadores digitais. «São nativos das plataformas digitais e criadores de conteúdos. O YouTube, pela dimensão e capacidade de criar, fidelizar e reter audiência, permitiu-lhes construir uma presença e audiências de grandes dimensões», defende.
A Thumb Media assume-se como uma empresa que produz, distribui e gere conteúdos audiovisuais e propriedade intelectual em plataformas digitais. Desde 2014, e até à data, tem desenvolvido o seu trabalho também como agregador de canais de YouTube, com o objetivo de os ajudar a rentabilizar os respetivos conteúdos e alargar a sua presença nesta plataforma. «São perto de 1100 canais de YouTube com um alcance mensal de mais de 120 milhões de visualizações», adianta.
O que querem afinal os jovens de hoje? Como consomem os millennials? E os jovens de hoje consomem da mesma forma do que há dez anos ou mesmo há um ano? O CEO da Thumb Media considera que «as coisas desenrolam-se a uma velocidade cada vez mais rápida e os jovens acompanham esse desenrolar avidamente. O padrão de consumo de entretenimento passou de um modelo de longo formato e de longa duração com várias repetições para um modelo de formato curto, de fácil absorção, imediato. Apesar de o YouTube ser uma plataforma que armazena vídeos durante anos, o padrão normal de um vídeo num canal de grande tráfego é ter entre 70 e 80% do seu tráfego nos primeiros dias após a sua publicação. Depois disso, o tráfego é residual. Mesmo assuntos que geram grande interesse e polarização, até da audiência, passam rapidamente à história assim que o vídeo seguinte é publicado. E assim sucessivamente».
A influência chega a ultrapassar o limite do consumo, notando-se também na componente emocional e comportamental. «Como a popularidade dos YouTubers em Portugal é hoje em dia um fenómeno principalmente infantojuvenil (não acontece assim em países onde este fenómeno vem a ganhar relevância nos últimos 10 anos), os YouTubers acabam por ter um grau de influência muito significativo junto das novas gerações, e naturalmente, têm capacidade de influenciar não só os seus hábitos de consumo, mas também os seus comportamentos e as suas emoções», sublinha o responsável.
Eles têm o poder
Os mais jovens estão absolutamente imersos no mundo digital, dominando as ferramentas de consumo online cada vez mais cedo. É algo natural. «As gerações mais novas valorizam o imediato e o genuíno. Querem conteúdo com o qual se relacionem a título pessoal, querem rever-se no conteúdo que estão a consumir ou aspirar a isso. Nesse sentido, cada vez mais, praticamente todo o conteúdo consumido pelos jovens é resultado do trabalho de influenciadores digitais, que não são nada mais do que outros jovens que partilham as suas experiências. Acima de tudo, os jovens querem entretenimento e formação. Querem aprender jogos ou dicas de maquilhagem e querem ser entretidos pelo conteúdo de vloggerse gamers. Se não entretém, eles não veem. Eles têm todo o poder», defende Sara Bianchi.
Para a especialista em marketing e comunicação que também foi responsável de comunicação e parcerias do encontro de YouTubers nacionais, VidYou, a genuinidade dos YouTubers dá-lhes popularidade e fá-los ganhar seguidores. «Juntamos ainda a isto o facto de o vídeo online ser o tipo de conteúdo mais consumido de momento, e cujos números continuam a crescer, e ainda o crescente consumo de conteúdo em mobile. Criar conteúdo para uma plataforma de vídeo que pode ser utilizada sempre que um jovem quiser através do seu telemóvel ou tablet faz com que estejam completamente enquadrados com o poder de escolha que as gerações mais novas exigem», diz-nos.
Existem influenciadores digitais para todos os gostos e idades. Dividem-se por áreas ou categorias, marcando presença em diferentes mercados. «Temos mães e pais que criam conteúdo a mostrar as dificuldades que surgem ao criar uma família, partilham dicas educativas e ensinam truques de trabalhos manuais para se facilitar as coisas em casa. Temos jovens que apresentam treinos e dietas ao pormenor, com acompanhamento para adultos que queiram melhorar a sua forma física e prefiram fazer o exercício em casa, criadores de conteúdos para entusiastas de jogos de tabuleiro, de aviões, de origamis e tudo o resto que nos possamos lembrar», explica Sara Bianchi.
Catarina Ribeiro tem 22 anos, trabalha e estuda. «Estou neste momento a tirar o mestrado em gestão de recursos humanos, no ISEG.» Considera-se relativamente independente financeiramente, pois apesar de morar ainda em casa dos pais, faz questão de pagar as suas compras. O processo é praticamente sempre o mesmo: «primeiro, antes de comprar vejo no site das lojas se algo vai ao encontro com aquilo que pretendo ou se existe alguma coisa de que goste. Depois, desloco-me às lojas experimento, confirmo se gosto e compro».
Enquanto consumidora, valoriza muito a relação preço / qualidade. «Não compro coisas excessivamente caras, e se existir um produto um pouco mais barato mas a qualidade for quase a mesma, não resisto. Por exemplo, prefiro ir comprar roupa à Zara do que gastar na Salsa ou Pepe Jeans», afirma. Catarina compra segundo as suas necessidades, estando a roupa no topo dos seus gastos.
«Penso que, atualmente, as novas gerações valorizam as lojas que oferecem um produto ou serviço que consiga ser versátil, atual, rápido nas mudanças globais e ligado às tecnologias. As características fundamentais para uma marca ganhar clientes da minha geração são: serem globais, estarem ligadas ao mundo; serem «in», ou seja, estarem na moda; aceitarem as diferenças das pessoas e abraçarem a várias culturas existentes, bem como, serem ativas nas redes sociais», defende.
Nas novas gerações, tal como acontece com Catarina, a omnicanalidade parece ser a opção mais escolhida. «Está progressivamente a tornar-se o padrão do processo de compra para dar resposta a um consumidor mais exigente e cada vez menos tolerante a eventuais inconsistências na interação com retalhistas nos vários canais e pontos de contacto. As jornadas de compra serão cada vez mais acompanhadas de dispositivos digitais móveis, através dos quais, se acede a ideias, pedem-se sugestões e comparam-se preços. Para se manterem relevantes para os consumidores e continuarem a merecer a sua preferência, fabricantes e distribuidores precisam agregar valor ao produto via experiências de consumo, online ou em loja, que sejam distintivas, personalizadas e sensíveis ao contexto», defende Pedro Miguel Silva, associate partner de retail & consumer products da Deloitte.
A voz das marcas
Estarão então as marcas a aproveitar estas potencialidades? O marketing de influência é conscientemente assumido pelas empresas? Serão as mesmas inovadoras ou resistentes à mudança? Quais os desafios de apostar nestes influenciadores para promoção dos seus produtos? Desde logo, não ficar fixado apenas nos números. «Sim, um influenciador pode ter 100.000 seguidores que gostam de aviões, mas para a marca de berços é preferível criar uma parceria com o influenciador que tem 10.000 seguidores mas que fala sobre como a sua família se está a preparar para receber um novo bebé. À parte disso, temos ainda um desafio gigantesco para os outros meios de comunicação. Cada vez mais, o consumidor quer a liberdade do seu lado. Quer ver, ouvir, ler o seu conteúdo preferido quando quiser e como quiser. Os meios de comunicação tradicionais já estão a adaptar-se para ir ao encontro da vontade do consumidor mas terá de ser feito um esforço contínuo para permitir que esta liberdade seja uma realidade constante», defende a especialista.
"No momento da compra, cerca de 50% deste target opta pela compra online e quando se trata de produtos mais premium, opta pela loja física que permite a experimentação do produto”, Ana Lorena
Também Miguel Sabino considera que estas sinergias devem ser aproveitadas. Juntos, marcas e YouTubers, podem trazer bons resultados. Mas existem outros aspetos a ter em consideração. «Quando trabalhados da forma correta, os resultados podem ser muito amplificados. Mas é importante que as marcas percebam também que, só porque agora se fala de YouTubers, eles não são uma “varinha mágica” que resolvem os problemas de comunicação da marca. A ação e intervenção – ou não – dos YouTubers devem estar integrados no plano global de comunicação de uma marca, na sua estratégia global, e não serem a única solução», alerta.
Apesar do fenómeno, tanto o CEO da Thumb Media como a especialista em Marketing consideram que Portugal está ainda um pouco aquém comparativamente a outros países. «Em Portugal, estamos muito mais atrasados, mas finalmente as marcas começam a despertar para esta realidade. Quando começámos a trabalhar há três anos, nas reuniões, as pessoas olhavam para nós como se estivéssemos a falar de algo vindo de outro planeta. Quando começámos a apresentar alguns dos maiores YouTubers portugueses ao mercado, as reações foram de total desconhecimento e apatia em relação a esta realidade. Felizmente, o nosso trabalho de evangelização tem vindo a dar frutos, e hoje, são poucas as grandes marcas que não integram, pelo menos, a possibilidade de recorrer a YouTubers na sua estratégia de comunicação. Como em tudo, também há erros, e também tem havido coisas que correm mal. Pelo que temos visto, esses erros acontecem principalmente por duas razões: por um lado, quem está a comprar não conhece (nem procura conhecer) a fundo, a realidade e o perfil do YouTuber que está a considerar usar. Por outro, quem vende não tem a preocupação de adequar o perfil do YouTuber à marca, à mensagem e ao público-alvo da marca. E isso gera problemas que não são fáceis de resolver».
Existe ainda algum preconceito ou desconhecimento por parte de quem decide? O que leva ainda algumas marcas a preterirem YouTubers ou influenciadores digitais a atores, músicos, figuras públicas em geral? Sara Bianchi considera que o problema reside no facto de estes jovens serem considerados, por algumas marcas «como miúdos que fazem uns vídeos para a internet», como ouviu inúmeras vezes, «e não estão dispostas a pagar pelo trabalho enorme que é preparar um conteúdo contextualizado e que efetivamente leve as audiências destes influenciadores a quererem partilhar o produto/serviços em questão. Isto resulta em momentos de product placement rebuscados e claramente descontextualizados, e na ausência de empenho criativo por parte dos jovens criadores de conteúdo».
O que Sara Bianchi tem vindo a notar é a dificuldade em aceitar que «estes jovens influenciadores são profissionais e isto é o emprego deles, que exige esforço, dedicação e empenho criativo e técnico. Quando as marcas se unem a influenciadores para criarem campanhas criativas em conjunto, usando, quer os seus meios de comunicação próprios, quer os canais dos influenciadores para, através de experiências genuínas, chegarem às suas audiências, os resultados são muito superiores aos resultados de campanhas sem marketing de influência. Caso contrário, é natural que as marcas não sintam um retorno significativo de investimento», afirma.
É uma mudança de paradigma que já constitui a realidade atual. Plataformas novas, conteúdos novos, influenciadores novos. Os desafios que tudo isto acarreta são inúmeros. «As marcas são regra geral, preguiçosas e acomodam-se a um modelo que conhecem. Começar a comunicar de maneira diferente dá trabalho, requer investigação, experimentação, erro, análise, voltar a tentar de outra forma, até se encontrar uma fórmula de sucesso. Até agora, tem sido suficiente “alugar” uns quantos YouTubers para fazer passar uma mensagem simples e mais ou menos “orgânica”. Mas isso é apenas o início. Cada vez mais, para conseguirem diferenciar-se e ter sucesso nesta nova realidade, as marcas vão ter que encontrar a sua própria voz, o seu próprio canal, a sua própria audiência. Os YouTubers são uma boa forma de entrar, sim. Mas o sucesso no longo prazo para uma marca requer uma voz própria e não as vozes emprestadas de quem já fez esse caminho», explica Miguel Sabino. A Thumb Media posiciona-se então ao lado das marcas mas também dos YouTubers, recomendando um outro perfil quando é necessário desenvolver uma estratégia de conteúdos.
«Notei uma enorme diferença na disponibilidade de incluir marketing de influência nas estratégias de comunicação de marcas de 2016 para 2017, e este fenómeno vai continuar a acontecer. No entanto, de momento, há demasiado atrito entre marcas, agentes, e influenciadores. Creio que este atrito vai começar a diminuir e que vamos começar a ver campanhas com influenciadores muito interessantes e que, efetivamente marcam pela qualidade do conteúdo envolvido. Também acho que, à semelhança do que acontece no estrangeiro, os próprios influenciadores ficarão mais sensíveis ao seu nível de influência e veremos um boom no conteúdo produzido com fins de impacto social. Para já, não existe uma ideia fixa do nível de influência que estes jovens têm e de quanto podem efetivamente ajudar a educar as gerações. No entanto, já começamos a ver imensas iniciativas no estrangeiro onde estes jovens usam os seus canais para promover causas sociais, incentivar mudanças de comportamento e até educar e formar», explica Sara Bianchi.
No futuro, poderemos assistir a uma diminuição do marketing relacionado apenas com produtos e serviços nos conteúdos criados pelos influenciadores, e um aumento de campanhas criadas, em conjunto, com objetivos sociais.
Campanhas e parcerias
A campanha «Clinique Girls» arrancou no final do mês de janeiro e é composta por três influenciadoras digitais, YouTubers e instagramers, num ano em que a marca Clinique irá apostar muito no digital. «Esta campanha, com Adriana Silva, Catarina Filipe e Helena Coelho, foi o resultado de um ano de muito trabalho, sendo que queríamos incluir mulheres que se identificassem genuinamente com a marca – isto é, que nas suas vidas já se tivessem cruzado com a marca, como clientes. O mais importante na criação desta campanha foi garantir que todas as influenciadoras com quem trabalhamos tivessem uma relação emocional com a marca: para algumas, Clinique foi a primeira marca que usaram no âmbito de cuidados de pele, outras já utilizavam os nossos produtos de maquilhagem no seu dia a dia», explica Cláudia Mateus, brand & marketing manager.
"O social media já deixou de ser um sub-segmento do item ‘PR’ para se assumir como uma das principais linhas de media em qualquer plano de marketing de marcas como a nossa, também sinal de que o investimento já é relevante no total do budget de marketing”, Filipe Semedo
As três jovens escolhidas para esta campanha vão criar conteúdos ao longo deste ano com foco na vertente de maquilhagem da marca. «No entanto, para atingirmos um público mais abrangente, teremos também colaborações com outras influenciadoras, garantindo assim um painel diversificado de mulheres com diferentes estilos de vida e necessidades onde a marca faz parte do seu dia a dia, para se sentirem mais bonitas e confiantes», conta a responsável.
A campanha destina-se, em específico, às millennials, nomeadamente, jovens que tenham mais preocupações com a pele, seja por estarem a entrar agora no mercado de trabalho ou por notarem o aparecimento dos primeiros sinais de envelhecimento. «Os cuidados de pele e a maquilhagem passam agora a ser uma necessidade para estas mulheres se sentirem mais confiantes. Queremos ajudá-las a descobrir os produtos ideais para cada uma», afirma Cláudia Mateus. A marca assume que era este o caminho natural a seguir através da criação de parcerias de forma a alcançar um público que privilegia o universo online. «Para este público, os YouTubers são os veículos dessa informação, sendo pessoas que esta geração admira, acompanha diariamente, respeita e com os quais se identifica. Na realidade, são um fenómeno em crescimento e captam cada vez mais a atenção do seu público, tornando-se verdadeiros influenciadores nas decisões de consumo», sublinha.
No ADN da marca insere-se a atenção diária, tanto aos influenciadores digitais já conhecidos, como os novos, de forma a iniciar parcerias pontuais ou prolongadas no tempo. «Com esta campanha, queremos aumentar o reconhecimento e a perceção do público como uma marca trendy, uma love brand que se preocupa em desenvolver produtos inovadores que respondam ao estilo de vida dos dias de hoje – em que o tempo é cada vez mais limitado e queremos estar sempre bem física e psicologicamente», acrescenta Cláudia Mateus.
O objetivo passa por estar, comunicar e interagir de modo relevante com o público alvo. «O social media já deixou de ser um sub-segmento do item “PR” para se assumir como uma das principais linhas de media em qualquer plano de marketing de marcas como a nossa, também sinal de que o investimento já é relevante no total do budget de marketing», adianta.
"Nem sempre é fácil, e por vezes é um risco, mas a verdade é que os números falam por si e os conteúdos que os YouTubers fizeram para a Sport Zone geraram muitas visualizações”, João Esteves
«Uma percentagem crescente dos clientes da Worten é digital shopper, no sentido em que fazem regularmente compras online, recorrendo a meios digitais, nomeadamente a opiniões de outros clientes (reviews), para selecionarem o produto que melhor satisfaz as suas necessidades. No entanto, estes digital shoppers não excluem, de todo, as compras nas lojas físicas porque também apreciam a experiência que só uma ida a estas lojas proporciona: o contacto com o produto e, muitas vezes, o serviço de atendimento e aconselhamento dos nossos vendedores. Assim, utilizam frequentemente, num mesmo processo de compra, ambos os canais, dependendo do que for mais conveniente em cada momento e face ao tipo de produto em causa», explica Inês Drummond Borges.